Nascido na primavera de 1972 na mais antiga vila de Portugal (Ponte de Lima, Viana do Castelo), cresceu numa aldeia do concelho: com terra nas mãos e nos pés; rodeado do perfume multicolor das muitas flores envasadas da mãe (vasos de barro, cujos cacos serviam ocasionalmente para atirar às galinhas, aos gatos e cães vadios); imerso em peças da LEGO e livros da biblioteca itinerante da Gulbenkian.
Em 1990 migrou para o sul, Aveiro (cidade que sente sua), onde frequentou o curso de Engenharia Eletrónica e de Telecomunicações. Foi na então biblioteca do Departamento de Letras que descobriu o amor pela poesia e os contos: da incontornável Espanca ao inigualável Mia Couto. Descobriu o Núcleo de Artes Plásticas: o desenho a grafite, a pintura a óleo e de azulejos; mais uma vez a poesia (lida no Núcleo e em sessões informais pelo Campus; mais tarde, escrita pelo próprio punho); o inestimável convívio entre pares.
Protetor de formigas, ex-caçador de lagartixas (com uma fisga de elásticos surripiados da cesta de costura), é uma criatura que vive essencialmente no seu próprio mundo, mas facilmente abre a porta aos amigos (principalmente se trouxerem doces, ou um bom tinto). Afável; provocador por natureza; adepto do humor britânico, com laivos de sarcasmo e ironia.
Em 2002 descobriu num livro de Herberto Hélder o poema de Hermann Hesse, Lobo das Estepes; apaixonou-se e assumiu, desde então, o pseudónimo. Não se identifica como sendo a encarnação de Harry Haller*; não é o mas sim um dos elementos da populosa alcateia dispersa pelas estepes urbanas de todo o planeta.
Continua por Aveiro (onde frequenta o Mestrado Integrado em Engenharia dos Computadores e Telemática). Convive mensalmente com um grupo de amigos na tertúlia gastronómico-literária Et Quoi. Aos fins de semana visita a aldeia onde cresceu, a mãe e dois gatos: o Morenito, siamês natural de Vila Nova de Gaia; e a Mimi, presumível natural da Glória/Aveiro, encontrada na rua, manca de uma pata (alguém lhe atirou um pau... e acertou-lhe!).
O autor, ainda que de formação em ciências, percebe a evolução da língua materna, as múltiplas influências que a forjaram; delicia-se com a riqueza do léxico. Não obstante, o seu perfil de engenheiro aprecia a simplicidade, a regularidade; defende uma simplificação massiva (e utópica) da língua. À falta de melhor, adoptou — perdão, adotou — o tão contestado AO90. Viva o acordo! Viva! Pim!
* Harry Haller, protagonista do romance de Hesse.
«Pedro Fontoura é um assombroso provocador de sonhos e inquietudes. Lê-lo é como entrar no mundo de um génio que nos obriga a desbravar territórios do pensamento. Uma experiência fascinante e inolvidável.»
Se conseguisses olhar-me nos olhos, ir além da matéria prístina, cegar-te-ias com a devastadora visão de uma apocalíptica fera: furibunda, flamejante, a carne viva contorcendo-se em ígneos cânticos; o cheiro a podridão: as memórias podres, os sonhos podres, os desejos podres — o vigor da putrefação.
Findo este brutal e melancólico processo de decomposição nuclear, restará um amontoado de cinzas quentes, pulsantes, donde brotarão: pequenos caules, minúsculas folhas, ínfimas flores; alimentados por uma vulcânica torrente de emoções que sobrevivem, sempre!, ao exorcismo do fogo. Vagarosamente, pacientemente, reconstruir-me-ei em catorze dias, iluminando-me de dentro para fora — qual mágica criatura lunar.
Concluída a minha laboriosa, dolorosa reconstituição, erguer-me-ei em espiral, num impulso de lava incandescente. Sorvida a primeira golfada de ar, irromperei pelas múltiplas camadas esféricas adentro onde, ingenuamente, inocentemente te recolhes, julgando-te protegida de tudo e todos — inclusive de ti — e abocanhar-te-ei vorazmente, na desesperada certeza de quem tem apenas catorze dias para fruir: o calor da tua pele ruborescida, a tua carne salgada, o mel servido em delicados espasmos.
Dificilmente reterás qualquer memória deste pecaminoso — aos olhos de algum deus insano — deliciosamente animal, viciante encontro. Tão somente: uma pequena febre, um imperceptível rasgão no ventre, na coxa; e um misterioso brilho no olhar, como uma rosa que pela manhã ostenta no peito orgulhoso as gotas de orvalho ardilosamente conquistadas.
No entanto, a tua seiva, irremediavelmente seduzida, inundar-te-á, tranquilamente, de uma insaciável fome...
...de mim!